"Acho que isso aqui não é o Kansas", disse Dorothy ao seu cachorro em "O Mágico de Oz", de 1939, enquanto caminha descobrindo um cenário de fantasia no qual, sem perceber, nos vemos imersos. Desde o primeiro esboço até a construção dos cenários, a direção de arte para cinema requer detalhes cuidadosos para realmente dar vida às ideias e transportar os espectadores.
Nessa combinação de criatividade, pesquisa e colaboração, diferentes cenógrafos e designers falam sobre suas aventuras e processos de projeto. A importância de criar uma visualidade integral, compreender a linguagem, os estilos e traduzir tudo isso para a tela estão reunidos nesta série de oito entrevistas que realizamos com Annie Beauchamp, Luca Tranchino, Felicity Abbott, Jacinta Leong, Alexandra Schaller, Ina Mayhew, Amy Lee Wheeler e Stefan Dechant.
Annie Beauchamp: a visualidade
"O trabalho de um designer de produção ajuda a conduzir a trama", diz Annie Beauchamp. Ela é uma designer de produção que entrou em contato comigo de surpresa depois de ler um artigo sobre a série Black Mirror e o futuro da arquitetura - algo empolgante, já que ela foi responsável pelo aspecto visual de Striking Vipers, o primeiro episódio da quinta temporada. Ainda mais impressionante é sua vasta experiência trabalhando em vários filmes, como A Bela Adormecida, Pássaros Amarelos, Adoração, Top of the Lake: China Girl, LEGO Ninjago e como diretora de arte em nada menos que Moulin Rouge.
"A primeira leitura do roteiro é um processo muito instintivo e procuro permanecer aberta ao material, imaginando os personagens e os ambientes com a emoção e o subtexto em primeiro plano. Cada roteiro é muito diferente e isso me dá uma licença para brincar, inventar e criar ideias específicas para cada um deles. Primeiro, começo a pensar em maneiras de projetar e fazer algo com o que, superficialmente, não parece ser tão interessante. Eu começo com o roteiro e depois começo a investigar. Penso mais em criar configurações harmônicas sobre o que deve ser sentido do que o que deve ser visto nestes estágios iniciais. Então, eu crio um guia de referências visuais. Sou muito orgânica com este processo. Algumas imagens são marcadoras de posição, outras marcam as sensações ou humor, outras consideram questões de design e paleta de cores, e outras são ideias para o diretor ou diretor de fotografia." Leia mais sobre seu processo aqui.
Luca Tranchino: a linguagem do desenho
"O design de produção utiliza a mesma linguagem da arquitetura", diz Luca Tranchino, um designer de produção conhecido por sua participação como diretor de arte em Gangues de Nova York, O Aviador, A Invenção de Hugo Cabret e Príncipe da Pérsia. Em outras palavras, filmes que foram projetados para nos transportar para mundos mágicos e históricos.
"Penso que a cenografia faz uso dos meios arquitetônicos, para expressar um estado emocional, investigando as implicações psicológicas dele. Comparado à arquitetura, o design de produção é mais como olhar dentro do nosso subconsciente, nossas memórias, nossos sonhos e medos mais profundos, usando espaço, cor, textura, gráficos e símbolos para levar o público a outros mundos e fazê-los se relacionar com eles. De certa forma, projetar para um filme ou para uma série de TV é semelhante ao trabalho de um ator, que deve se colocar no papel de outra pessoa, às vezes de outras épocas ou outras culturas. O diretor de arte tem a liberdade de usar e reinterpretar a arquitetura de vários estilos, períodos ou geografias. Para cada projeto, existem muitas variáveis e requisitos diferentes, e os assuntos geralmente são muito diferentes: do histórico, à fantasia, à ficção científica e assim por diante. Por exemplo, para uma tarefa específica, você pode precisar expressar um sentimento desagradável, talvez por um corredor opressivo e labiríntico, que lembra um pesadelo, ou por meio de espaços inundados de água, sujos e desagradáveis. Não há limite; você pode construir estruturas consideradas impossíveis pelas leis da física ou introduzir materiais que ainda não foram inventados. A cenografia é a visualização de uma ideia, é como se teletransportar para realidades paralelas, quando mesmo o impossível é possível." Leia mais sobre seu processo aqui.
Felicity Abbott: a arquitetura de tela
A designer de produção Felicity Abbott estava por trás da grande encenação de The Luminaries, uma minissérie ambientada na costa oeste da Nova Zelândia durante a corrida do ouro na década de 1860.
"Para mim, o design de produção é como “construir realidades”. É uma forma de interpretar a “poética” do espaço através da emoção, do subconsciente, da memória e da nostalgia, apropriando-se de tons, estilos, cores e texturas. Projetar a imagem da realidade do The Luminaries envolveu a construção de uma variedade de elementos arquitetônicos representativos da Nova Zelândia do final do século XIX. De fachadas neo-góticas a espaços interiores densos de fumaça de ópio, chalés de madeira a delegacias de polícia. Considerando isso, é evidente que este projeto demandou a construção de estruturas de diversos estilos arquitetônicos capazes de criar uma conexão visual que ecoasse o período histórico no qual a novela se passa; vilas rurais chinesas construídas em pedra e madeira, samambaias e muita lama; minas de ouro, acampamentos e barracas, tudo isso e muito mais" Leia mais sobre seu processo aqui.
Jacinta Leong: a estética futurista
Jacinta Leong é uma designer de produção que gosta do processo criativo e colaborativo de projetar ambientes para narrativas. Seu trabalho em vários filmes olha para o futuro, especialmente em relação à tecnologia na sociedade. Ela foi designer de produção no filme 2067; diretora de arte em Alien: Covenant, Mad Max: Estrada da Fúria e Círculo de Fogo: A Revolta; diretora de arte assistente em Star Wars: Episódios II-III; e designer de cenários em Matrix, entre outros.
"É interessante ver como o futuro é representado de forma diferente em filmes diferentes. Roteiristas, diretores e designers de produção têm visões diferentes do que é o futuro. E essa é a beleza de nossa arte cinematográfica criativa. O cinema pode nos dizer como as coisas são e também como elas podem ser. Os Episódios I, II e III de Guerra nas Estrelas foram projetados por Gavin Bocquet. Seu objetivo era manter o espírito e a identidade visual de todos os filmes anteriores de Guerra nas Estrelas e, é claro, garantir que o diretor George Lucas aprovasse tudo. Isso foi importante para a continuidade do que era um mundo significativamente estabelecido ou, nesse caso, uma galáxia." Leia mais sobre seu processo, aqui.
Alexandra Schaller: a ficção científica
After Yang é um filme de ficção científica escrito, dirigido e editado por Kogonada - o cineasta estadunidense nascido na Coreia do Sul conhecido por seus ensaios em vídeo sobre análise de conteúdo audiovisual. O enredo principal do filme acompanha a história de uma família que tenta consertar sua inteligência artificial danificada em um mundo pós-apocalíptico conectado pela tecnologia e pela natureza. Alexandra Schaller, responsável pelo design de produção e, portanto, pelo visual dos cenários, imaginou um futuro que traduz essas considerações: desde a casa da família, que recupera o design original de uma casa de Joseph Eichler da década de 1960, até a importância do espaço ao ar livre ao lado de uma grande árvore que capta toda a atenção, até cada um dos materiais presentes que tinham a premissa de não serem descartáveis, e sim renováveis ou biodegradáveis.
" Em nossas primeiras conversas criativas, (o diretor) Kogonada e eu discutimos o mundo visual do filme que queríamos criar. O filme é intencionalmente ambientado em tempo e lugar não especificados, mas o pano de fundo do mundo é um período pós-apocalíptico. A ideia era partir da ocorrência de uma grande calamidade natural, a partir da qual a humanidade passou por algum tipo de ajuste e agora vivemos em um mundo com menos destruição do ambiente natural e mais simbiose entre os humanos e a natureza. Um dos temas centrais do filme é a ideia de conexão. A conexão com outros, mas também uma meditação sobre nossa própria conexão com o mundo ao nosso redor, com algo maior do que nós mesmos. Como se trata de um filme bastante interior, tanto existencial quanto espacialmente, procuramos todas as oportunidades no projeto para incorporar o mundo externo, a fim de reforçar a ideia de interconexão." Leia mais sobre seu processo aqui.
Ina Mayhew: construir com respeito
Se você ainda não assistiu Respect: A história de Aretha Franklin, recomendo que o faça. O filme biográfico dirigido por Liesl Tommy e baseado na vida da cantora americana Aretha Franklin nos transporta de volta à década de 1960 por meio de uma cenografia pertinente. Aqui, a designer de produção Ina Mayhew teve a tarefa de criar uma série de locações em que as paletas de cores, sem dúvida, evocam mais do que emoções: a casa suburbana de sua infância em Detroit, os clubes de jazz atrevidos da cidade de Nova York, seu luxuoso apartamento no Upper West Side e, finalmente, sua casa ultramoderna em Los Angeles.
"Começamos nossas conversas sobre o estilo visual de Aretha ao longo da vida. No início, achamos que deveria ser sombrio, com cores suaves, baseado em fotografias de músicos e cantores de jazz. Queríamos continuar com a paleta de cores suaves da época, das décadas de 1950 e 1960, para a casa de sua infância e as várias casas e apartamentos em que ela morou. Mas depois de mais conversas e de assistir a alguns filmes (Uma Janela para o Amor sendo um deles), mudamos de ideia. Decidimos fazer algo bonito e começamos a pesquisar casas exclusivas de celebridades negras. O pai de Aretha, C.L. Franklin, era certamente isso: um ministro famoso nos palcos mais importantes dos direitos civis e do evangelismo. Decidimos mostrar a riqueza em que Aretha cresceu. Destacamos o estilo afluente de sua casa. Acho que um dos meus pontos fortes como designer - formada primeiro como pintora - é a adição de cores para evocar emoções. E as características dessa época são minhas paletas favoritas, com tons sutis e ricos de azul-petróleo, amarelos, laranjas, bordô e azuis profundos. O estilo charmoso do mobiliário das peças modernas de meados do século cria lugares onde os atores podem realmente viver seus personagens." Leia mais sobre seu processo aqui.
Amy Lee Wheeler: os estilos icônicos
Amy Lee Wheeler é designer de produção de As Crônicas de Cucu, uma série da HBO que conta a história de uma menina e sua família da República Dominicana que emigram para Miami em 1985, apresentando uma realidade cotidiana na esteira da instabilidade política e econômica do país. Ao chegarem, o "sonho americano" é uma surpresa indesejada em uma cidade materialista e preocupada com o status.
"Eu cresci na década de 1980, então é fácil lembrar das cores e estilos icônicos, mas nunca quisemos que essa época fosse 'a piada', então o design tinha que ser baseado na realidade. Minhas conversas com os criadores da série se concentraram em projetar ambientes realistas que nunca competissem com fantasias ou adereços, mas que tivessem as texturas do bairro de Hialeah Miami. Fizemos referência aos filmes de John Hughes para dar o tom e adquirimos uma extensa biblioteca de livros de referência e catálogos antigos, mas a maioria das casas não aparece em revistas. Coletamos fotografias pessoais da infância da criadora do programa, Claudia Forestieri, e buscamos autenticidade em outras casas de Miami. Leia mais sobre seu processo aqui.
Stefan Dechant: os ambientes abstraídos
Stefan Dechant é um designer de produção com mais de 25 anos de experiência na área, tendo trabalhado ao lado de cineastas renomados como James Cameron (Avatar), Tim Burton (Alice no País das Maravilhas) e Sam Mendes (Jarhead). Mais recentemente, Stefan atuou como designer de produção do filme da Apple TV+ "A Tragédia de Macbeth", dirigido por Joel Coen. Por que nos interessamos por isso? Porque ele foi encarregado de criar 35 conjuntos abstratos em preto e branco.
"Em nossa primeira reunião, Joel falou sobre como esse filme não era uma interpretação naturalista de Macbeth. Ele nunca quis deixar de lado o fato de que o texto original foi criado para uma apresentação teatral. Ao fazer isso, ele queria que as imagens fossem teatrais por natureza, mas ao mesmo tempo cinematográficas. Os ambientes precisavam ser abstraídos. Ele queria "não um castelo, mas a ideia de um castelo". Durante vários meses antes do início do filme, Joel, Fran e nosso diretor de fotografia, Bruno Delbonnel, trabalharam juntos para descobrir o que poderia ser essa abstração. Durante esse tempo, eles decidiram que o filme seria filmado em preto e branco e que a proporção seria de formato academia. Eles também trabalharam no desenvolvimento de uma coleção de imagens de referência que variavam de fotografias arquitetônicas e pinturas a fotos de outros filmes e algumas de suas próprias fotografias". Leia mais sobre seu processo aqui.
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